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Quem é o autor de um texto jurídico humano ou sintético à luz da legislação protetiva brasileira – Marco Civil da Internet e LGPD

  • cantoeidelveinadvo
  • 6 de out.
  • 4 min de leitura

O primeiro questionamento que se coloca é: quem sou eu, sob a perspectiva de escritor humano de um texto jurídico? Isto é, qual minha formação acadêmica, minha experiência de vida e quais autores marcaram a minha existência, influenciando inconscientemente a produção de minha escrita jurídica? Esse conjunto de memórias e reflexões repercute naquilo que elaboro. Surge, então, o questionamento: onde está a minha originalidade, se não sou um filósofo grego a partir da escola socrática que inaugurou o marco inicial do pensamento?


    A partir dessas indagações, emerge uma questão contemporânea: a inteligência artificial (IA). Essa tecnologia é disruptiva na sociedade atual, pois produz conteúdos, obras intelectuais e criações sintéticas com base em inúmeros dados de diversos autores e correntes de pensamento. A IA realiza esse processo em escala geométrica, muitas vezes superior à capacidade humana, pois coleta a experiência de muitos, adapta e resume em textos. Contudo, costuma ser classificada como mera cópia da criação humana, sob o argumento de que a reprodução não foi feita por um ser humano.


   Com o passar do tempo e a experiência adquirida na academia, passei a refletir se as inúmeras citações de obras de orientadores e de autores vinculados à mesma corrente de pensamento dos mestres que formam o raciocínio do aluno não configurariam, em certa medida, uma espécie de plágio autorizado. Afinal, diversos fragmentos do conhecimento são reunidos e, por meio da retórica e das conclusões alinhadas a determinada corrente doutrinária, tornam-se uma obra individual. Ressalto que, aprecio a expressão aluno, ou seja, aquele que recebe a iluminação ou instrução de outrem, citada anteriormente.


    É evidente que os seres humanos ainda conduzem o processo criativo. No entanto, como alerta Harari, talvez não por muito tempo, caso não sejam adotadas cautelas adequadas, conforme aponta na obra Nexus. Ao pensar na realidade presente, cabe ressaltar que cada cérebro interpreta determinada situação de forma distinta, a partir de suas crenças pessoais. Essa constatação remete, metaforicamente, a Matrix, questionando se aquilo que se pensa é, de fato, único.


   O Brasil conta com diplomas normativos de grande relevância, inspirados no direito europeu, a exemplo da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD). Essas legislações visam estabelecer limites ao avanço tecnológico, conciliando inovação, privacidade e proteção da propriedade intelectual, assegurando aos indivíduos direitos personalíssimos fundamentais.


   Sob esse prisma, questiona-se: quem é o ser humano destinatário dessa proteção? O programador, o usuário ou a pessoa jurídica responsável pela ferramenta tecnológica? É importante recordar que a IA utiliza bancos de dados massivos, contendo milhões de obras, com ou sem autorização de seus autores. Não há, até o momento, proteção legal específica que regule o uso desses dados para o aprendizado desse sistema sintético (IA). O pano de fundo é a liberdade na internet, que não poderia ser restringida de forma indevida, sob pena de configurar censura prévia, o que comprometeria a segurança jurídica em uma sociedade democrática.


  Ademais, constata-se a inexistência de ordenamento jurídico específico que regulamente a atividade da inteligência artificial. Embora a gênese científica da IA remonte à década de 1950, com os primórdios da computação e o denominado “teste de Turing” — experimento em que um ser humano buscava identificar se determinada resposta provinha de outro humano ou de um computador, devido a linguagem utilizada e a conduta inteligente adotada, o que na maioria das vezes era indistinguível na época —, a atividade legislativa ainda não acompanhou, de forma satisfatória, tais avanços. Afinal, as leis regulam o presente com base na experiência passada, e se mostram defasadas diante da velocidade da evolução tecnológica.


   Nesse contexto, revela-se a complexidade contemporânea: como definir a autoria de criações sintéticas produzidas pela inteligência artificial? Quais são os limites da proteção das obras humanas utilizadas no treinamento de algoritmos? E, sobretudo, como compatibilizar inovação tecnológica com a tutela da privacidade e dos direitos autorais? A expressão do direito alemão homem de vidro ilustra bem a situação do indivíduo cuja vida e dados pessoais se tornaram transparentes e acessíveis. O que não se imaginava é que essa imensa massa de dados pudesse ser utilizada por inteligências artificiais baseadas em sistemas binários, onde impera a lógica, destituídos de humanidade, pois esta pressupõe sentimentos e consciência de si.


   O uso do domínio público no aprendizado das inteligências artificiais contrapõe-se ao direito autoral das criações humanas. Uma possível saída estaria no estímulo a obras coletivas, de autoria atribuída a grupos técnicos especializados, de modo a mitigar a utilização indiscriminada de dados pessoais e intelectuais. Contudo, mesmo essas medidas parecem insuficientes diante dos zetabytes de informações armazenados e disponíveis às inteligências sintéticas, configurando o que alguns já denominam de “era das máquinas”.


        Por fim, assumindo a posição de mero provocador de reflexões, não concluo este texto com respostas definitivas, mas com um questionamento: os temas aqui tratados e as inquietações levantadas são produtos de minha mente humana ou resultam, em parte, de inteligências artificiais múltiplas? A resposta, deixo em aberto ao leitor.


 
 
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