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Planejamento Sucessório Empresarial, preservação patrimonial e continuidade dos negócios de empresa familiar

  • cantoeidelveinadvo
  • 27 de jun.
  • 7 min de leitura

O planejamento sucessório empresarial consiste no conjunto de medidas jurídicas e administrativas destinadas a organizar a transferência do controle e da gestão de uma empresa para a próxima geração. Nas empresas familiares, essa organização é essencial para garantir a continuidade dos negócios e a preservação do patrimônio.

  A sucessão sem planejamento pode gerar conflitos entre herdeiros, descontinuidade na gestão e perda de valor da empresa. Por esse motivo, o direito sucessório deve ser aplicado de maneira estratégica, em conjunto com normas societárias, tributárias e contratuais.


A importância do planejamento sucessório


  O planejamento sucessório antecipa decisões que normalmente ocorreriam apenas após a morte do fundador da sociedade comercial. Essa antecipação permite que os herdeiros sejam preparados para assumir funções de gestão ou, alternativamente, recebam cotas ou ações da empresa, sem interferirem na administração.

  Por meio de instrumentos jurídicos, o empresário pode determinar, em vida, a forma como ocorrerá a sucessão patrimonial e empresarial. Entre as principais vantagens do planejamento destacam-se: a redução de conflitos familiares, a preservação da governança corporativa, a mitigação de impactos tributários e a garantia da continuidade da atividade empresarial.


Instrumentos jurídicos para realizar o planejamento sucessório 


  Há diversos instrumentos jurídicos disponíveis para estruturar o planejamento sucessório. Dentre os mais utilizados, destacam-se:

  A constituição de uma sociedade holding familiar é uma das soluções mais eficazes do ponto de vista comercial e tributário. Essa estrutura permite centralizar o controle do patrimônio familiar em uma única pessoa jurídica. Os herdeiros tornam-se sócios da holding, o que facilita a divisão do patrimônio e a definição de regras de governança e sucessão.

  A holding pode ser constituída como sociedade limitada ou sociedade anônima, regulada respectivamente, pelos arts. 1.052 a 1.087 do Código Civil (sociedade limitada) e pela Lei nº 6.404/1976 (sociedade por ações). A organização societária permite estabelecer cláusulas de controle, sucessão e restrições à cessão de quotas ou ações.

  Do ponto de vista tributário, a holding permite a gestão estratégica de rendimentos e ganhos de capital, e, se optante pelo lucro presumido. Caso opte pelo lucro presumido, pode se beneficiar das alíquotas fixadas nos arts. 13 a 15 da Lei nº 9.249/1995. 

  A constituição de uma holding patrimonial também permite planejar a doação de quotas com reserva de usufruto, nos termos dos arts. 538 a 544 do Código Civil. Essa estratégia pode mitigar o impacto do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) previsto no art. 155, §1º, inciso I, da Constituição Federal e regulado por leis estaduais específicas.

   O acordo de sócios ou de cotistas é um instrumento estabelece regras de sucessão na administração da empresa, condições para ingresso e saída de sócios, exercício do direito de voto e solução de conflitos societários.

  Nas sociedades anônimas, os acordos de acionistas estão previstos no art. 118 da Lei nº 6.404/1976. Já nas sociedades limitadas, embora não haja previsão legal expressa, admite-se a aplicação subsidiária da referida norma com base no art. 1.053, §1º, do Código Civil, especialmente quando houver previsão específica no contrato social.

  O empresário pode realizar doação com reserva de usufruto das quotas da empresa a seus herdeiros, mantendo o usufruto vitalício. Com isso, transfere o patrimônio sem perder o controle sobre a gestão ou os rendimentos da empresa, pois conserva o direito de usar e fruir das quotas sociais ou ações, consolidando-se propriedade plena para os herdeiros com a morte do usufrutuário. evento futuro e incerto quanto a data de sua ocorrência.

  A doação está disciplinada nos arts. 538 a 564 do Código Civil, e o usufruto nos arts. 1.390 a 1.411. O usufruto pode ser instituído sobre quotas sociais, assegurando ao doador o direito à percepção dos lucros provenientes das cotas sociais ou ações. Deve-se, no instrumento que o instituiu, definir a quem caberá o direito de voto, distinguindo-se os direitos econômicos (vantagens financeiras) dos políticos (gestão da empresa).

  Sob o aspecto tributário, a doação incide no campo do ITCMD, nos termos do art. 155, §1º, inciso I, da Constituição Federal e das normas estaduais aplicáveis. Algumas legislações estaduais permitem a apuração do ITCMD com base no valor contábil, das quotas, o que pode resultar em economia fiscal relevante. 

O testamento é uma forma clássica de disposição patrimonial post mortem. Ele permite que o empresário defina, dentro dos limites legais, a destinação da parte do patrimônio disponível de seu patrimônio e estabeleça cláusulas restritivas.

  As formas testamentárias estão previstas nos arts. 1.862 a 1.875 do Código Civil, sendo o testamento público o mais utilizado devido a segurança jurídica decorrente da fé pública do tabelião, que confere presunção de veracidade do ato jurídico realizado. 

  O testador pode dispor livremente da parte disponível (50%) de seu patrimônio, conforme o art. 1.789 c/c art. 1.846, ambos do Código Civil, respeitada a legítima dos herdeiros necessários. Deve-se observar o regime de bens adotado por ocasião do casamento, sendo a separação de bens o mais adequado a esse tipo de planejamento.

  O protocolo familiar é outro instrumento relevante. Trata-se de um documento firmado entre membros da família empresária que estabelece diretrizes para a atuação conjunta, a sucessão e o relacionamento entre família, patrimônio e empresa.

  Ainda que não tenha previsão legal específica, o protocolo familiar encontra respaldo no princípio da autonomia da vontade, previsto no art. 421 do Código Civil, sendo usualmente materializado por meio de convenções societárias, estatutos e acordos de sócios. 

  Esse instrumento permite flexibilizar a sucessão e a governança da sociedade comercial, estabelecendo regras e diretrizes que atribuem direitos e deveres aos herdeiros. Além disso, costuma prever mecanismos de resolução de conflitos, como a arbitragem. Assegurando que a transição de comando ocorra de forma bem-sucedida, com parâmetros claros quanto a gestão da empresa e ao perfil de governança adotados. 

   A jurisprudência pátria reconhece e reforça a importância dos instrumentos utilizados no planejamento sucessório empresarial. Destacam-se os seguintes julgados:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DE DOAÇÃO. MOMENTO DA AFERIÇÃO DO AVANÇO SOBRE A LEGÍTIMA. DATA DA LIBERALIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 549 DO CC/2002. EXISTÊNCIA DE BENS NA DATA DO FALECIMENTO DO DOADOR, REVERSÃO DOS BENS EXISTENTES AOS HERDEIROS E INCLUSÃO DOS BENS NO ACERVO HEREDITÁRIO. IRRELEVÂNCIA. 1- Ação distribuída em 31/03/2008. Recurso especial interposto em 03/08/2021 e atribuído à Relatora em 21/07/2022. 2- O propósito recursal consiste em definir se é a data da liberalidade ou a data do falecimento do doador que determina se a doação por ele realizada avançou sobre a legítima dos herdeiros necessários e se, na hipótese, a doação realizada é nula. 3- Na esteira da sólida jurisprudência desta Corte, firmada tanto sob a ótica do art. 1.176 do CC/1916, quanto também sob a égide do art. 549 do CC/2002, o excesso caracterizador da doação inoficiosa deve ser considerado no momento da liberalidade e não no momento do falecimento do doador e da abertura da sucessão. Precedentes. 4- No contexto do exame da doação inoficiosa, é irrelevante saber se os demais bens existentes ao tempo do ato de liberalidade foram, ou não, efetivamente revertidos em favor dos herdeiros necessários após o falecimento do doador ou se os referidos bens compuseram, ou não, o acervo hereditário. 5- Hipótese em que são absolutamente incontroversos os fatos: (i) de que a doação do imóvel ocorreu no ano de 2004; (ii) de que, entre os anos de 2003 e 2005, o doador possuía ativos financeiros no exterior em quantia superior a US$ 2.000.000,00 (dois milhões de dólares); (iii) de que o doador veio a falecer apenas no ano de 2007; (iv) de que o imóvel doado à parte não possuía valor superior a 50% dos ativos financeiros existentes ao tempo da doação. 6- Recurso especial conhecido e provido, para julgar improcedente o pedido de nulidade da doação, invertendo-se a sucumbência fixada na sentença.

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE CUMULADA COM APURAÇÃO DE HAVERES EM VIRTUDE DA MORTE DE SÓCIO E AUSÊNCIA DE AFFECTIO SOCIETATIS ENTRE O SÓCIO REMANESCENTE E OS SUCESSORES DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. ESTABELECIMENTO, NO CONTRATO SOCIAL, DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. 1. Alegação de impossibilidade de se arbitrar direitos indisponíveis (direito à sucessão). Insubsistência. Questão exclusivamente societária, passível de ser submetida à arbitragem. 2. Cláusula compromissória arbitral inserta no contrato social por ocasião da constituição da sociedade. Pretensão de dissolução parcial da sociedade. Repercussão direta no pacto social. Verificação. Competência do juízo arbitral. Reconhecimento. 3.  Extensão subjetiva dos efeitos do compromisso arbitral. Vinculação da sociedade, dos sócios, atuais e futuros, assim como dos sucessores da participação societária, até que ingressem na sociedade na condição de sócio ou até que efetivem, em definitivo, a exclusão de sua quota social. 4. Recurso especial improvido.


Continuidade dos negócios e preservação da empresa


  A continuidade dos negócios é um dos principais objetivos do planejamento sucessório. Para alcançá-la, é necessário aliar aspectos jurídicos a medidas de governança corporativa. A separação entre família, propriedade e gestão é fundamental para evitar conflitos e garantir a profissionalização da administração.

   Ademais, a implementação de práticas de compliance, auditoria e prestação de contas promove a transparência e eficiência na gestão, garantindo continuidade mesmo após a transição geracional.

  A legislação brasileira oferece mecanismos que, se corretamente utilizados, possibilitam organizar a sucessão com segurança. A escolha do regime de bens no casamento ou na união estável (arts. 1.639 a 1.688 do Código Civil), a definição da estrutura societária da empresa, a elaboração de cláusulas contratuais específicas e o respeito à legítima dos herdeiros são aspectos que devem ser criteriosamente analisados.


  O planejamento sucessório empresarial é instrumento indispensável à proteção do patrimônio familiar e à continuidade dos negócios. A ausência desse arranjo pode comprometer não apenas a estabilidade da empresa, mas também a harmonia entre os herdeiros e a continuidade do legado empresarial.

  A constituição de uma holding familiar, aliada à doação com reserva de usufruto e à formalização de acordos societários e familiares, representa a solução mais eficaz sob o ponto de vista comercial e tributário. Essa estrutura permite a gestão eficiente do patrimônio, a redução de encargos fiscais e a condução harmônica do processo sucessório.


  O papel do profissional do Direito é orientar o empresário na estruturação jurídica adequada, considerando os valores da família, a natureza do negócio e as regras legais aplicáveis. Dessa forma, é possível assegurar uma transição segura, eficiente e alinhada aos interesses das futuras gerações.


O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas à esta notícia e a qualquer assunto relacionado à área.


Jorge do Canto

Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Empresarial.











 
 
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