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O sistema de resolução de disputas no futebol associado

  • cantoeidelveinadvo
  • 9 de set. de 2024
  • 5 min de leitura

1. Introdução


A autonomia das entidades desportivas consiste na pedra basilar do ordenamento jurídico desportivo, e representa a possibilidade de sua autorregulação, incluído, aqui, a estruturação do sistema de resolução de disputas. Previsto no artigo 217, inciso I, da Constituição Federal de 1988, permite que as entidades desportivas organizem seu funcionamento interno e resolvam suas disputas de acordo com as regras próprias de cada modalidade, sempre atentando às normas previstas no ordenamento jurídico pátrio.


Esse princípio é particularmente relevante no futebol, esporte que envolve um mercado globalizado, com grande fluxo de capitais, transferências de jogadores e inúmeros contratos comerciais e trabalhistas. No âmbito do futebol, comumente, as disputas são resolvidas por órgãos internos previstos nos Estatutos da FIFA e da CBF, respectivamente, o Tribunal do Futebol da FIFA e pela Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF (CNRD), bem como por entidades privadas como a Corte Arbitral do Esporte (TAS/CAS) e o Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Esses mecanismos de resolução de disputas desempenham um papel importante para garantir a celeridade e a especialização necessárias na análise de conflitos que, muitas vezes, envolvem complexas questões técnicas e jurídicas.


A autonomia das entidades desportivas, especialmente no futebol, é uma prerrogativa que permite a autorregulamentação, estabelecendo as regras de cada modalidade esportiva. Essa autonomia, embora ampla, não é absoluta, devendo sempre respeitar o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional. Assim, essa estrutura de resolução de disputas garante que as decisões tomadas dentro do sistema sejam coordenadas com as normas jurídicas emanadas pelo Estado, evitando conflitos de jurisdição e assegurando que o futebol seja regulado de maneira justa e consistente, tanto em nível nacional quanto internacional.


2. O sistema de resolução de disputas internacional


O sistema de resolução de disputas no futebol internacional é centralizado na FIFA, uma organização privada criada sob a égide do Código Civil Suíço. A FIFA, desde 2001, desenvolve um sistema normativo para resolver disputas dentro do futebol, que culminou na criação do Tribunal do Futebol em 2021, conforme previsto no artigo 48 de seus Estatutos. O Tribunal é responsável por emitir decisões sobre disputas internacionais relacionadas ao futebol e questões regulatórias com dimensão global.


O Tribunal do Futebol é composto por três câmaras: a Câmara de Resolução de Disputas, a Câmara de Situação de Jogadores e a Câmara de Agentes. Cada uma dessas câmaras tem competências específicas e desempenha um papel relevante na manutenção e na estabilidade do mercado do futebol e na resolução de disputas complexas.


A Câmara de Resolução de Disputas, em termos gerais, é competente para analisar disputas, com dimensão internacional, relacionadas à relação de emprego envolvendo atletas e clubes, bem como disputas referentes a mecanismo de solidariedade e indenização por formação de jogadores. Já a Câmara de Situação de Jogadores trata de disputas relacionadas a questões trabalhistas envolvendo treinadores, clubes ou associações; disputas relacionadas a transferências de atletas entre clubes; e requerimentos regulatórios referentes ao sistema de transferências internacionais e à elegibilidade dos jogadores para participar de seleções nacionais. Por sua vez, a Câmara de Agentes lida com conflitos relacionados a contratos de representação envolvendo agentes e seus clientes. Em que pese haja previsão de atuação da Câmara de Agentes, o seu funcionamento encontra-se, atualmente, com seu curso suspenso em razão dos conflitos existentes sobre o Regulamento de Agentes da FIFA.


As decisões do Tribunal do Futebol da FIFA podem ser apeladas ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), que possui papel complementar ao sistema de resolução de disputas criado pela FIFA. O TAS/CAS, criado em 1984, pode resolver conflitos no futebol através de arbitragem recursal, em que uma das partes apresenta um recurso em face de decisões da FIFA. Ou, ainda, através da arbitragem ordinária, no qual as partes, mediante uma cláusula compromissória, reconhecem a competência ordinária do TAS/CAS para dirimir litígios que envolvam relações contratuais entre as partes. Assim, o TAS/CAS não só complementa o sistema de resolução de disputas da FIFA, como também assegura que as decisões sejam revisadas com imparcialidade e competência, dentro do contexto legal internacional.


3. O sistema de resolução de disputas nacional


No Brasil, a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF desempenha um papel central na resolução de disputas relacionadas ao futebol nacional. Criada em 2016 e incorporada ao Estatuto da CBF em 2017, a CNRD é responsável por resolver disputas entre clubes, jogadores, treinadores, membros de comissões técnicas e agentes no futebol brasileiro, entre outros.


A Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF é organizada em quatro divisões, cada uma com competências específicas para garantir a resolução eficaz de diferentes tipos de disputas no futebol brasileiro, sem que haja a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.


A Divisão Trabalhista é responsável por resolver conflitos entre clubes e atletas ou membros de comissão técnica. Por sua vez, a Divisão de Intermediação, lida com disputas entre intermediários, clubes, atletas ou membros de comissão técnica. Já a Divisão Comercial é dedicada a resolver disputas entre clubes. Por fim, a Divisão sobre Regulação é responsável, em termos gerais, para analisar procedimentos relacionados ao descumprimento do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol (RNRTAF) ou do Regulamento Nacional de Intermediário (RNI), relativos à regularidade de ato de registro ou transferência de atribuição da Diretoria de Registro e Transferência da CBF (DRT-CBF), descumprimento de decisões da CNRD e do CBMA, bem como litígios envolvendo clubes e federações, que não estejam subordinados à Justiça Desportiva.


O CBMA também faz parte do sistema de resolução de disputas nacional, pois as decisões da CNRD podem ser apeladas à referida Câmara ou, alternativamente, pode-se estabelecer que o CBMA resolverá conflitos em arbitragem ordinária. Assim, o CBMA atua em consonância com a CNRD, contribuindo para a estabilidade e o bom funcionamento do futebol brasileiro.


4. Conclusão


O sistema de resolução de disputas no futebol, estruturado pela FIFA e pela CBF, é essencial para a manutenção da justiça e da integridade esportiva. Esses mecanismos garantem que os conflitos sejam resolvidos de maneira justa, eficiente e especializada, preservando a autonomia das entidades desportivas e contribuindo para o desenvolvimento sustentável do futebol.


A importância desses sistemas é ainda mais evidente no futebol, onde a rapidez e a especialização na resolução de disputas são fundamentais para manter a competitividade e a justiça, dentro e fora de campo. Assim, o contínuo aprimoramento desses métodos alternativos de resolução de disputas é vital para o futuro do futebol, assegurando que esporte tenha regulação justa e equânime.



O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas a este artigo e a qualquer assunto relacionado à área.


Diego Eidelvein do Canto

Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Desportivo.

 
 
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