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Due Diligence como instrumento jurídico essencial à prevenção e à avaliação de riscos em fusões, aquisições ou sucessões empresariais

  • cantoeidelveinadvo
  • 2 de jul.
  • 8 min de leitura

A realização de uma operação societária, seja por meio de fusão, aquisição, incorporação ou reorganização empresarial, exige a adoção de mecanismos que assegurem a segurança jurídica das partes envolvidas. 

  Dentre essas abordagens prévias negociais, destaca-se a due diligence, expressão originária do direito anglo-saxão, cuja tradução literal é “diligência devida”. No contexto empresarial, designa o procedimento técnico e minucioso de apuração de informações relevantes sobre determinada empresa ou ativo, com o objetivo de subsidiar decisões estratégicas. 

  A due diligence possui caráter preventivo e instrumental. É preventiva porque permite identificar riscos e contingências antes da conclusão do negócio; e instrumental porque serve de base para a definição de cláusulas contratuais, condições suspensivas, ajustes de preço e outras salvaguardas jurídicas.

  Sua eficácia está diretamente relacionada à capacidade de revelar passivos ocultos, inconsistências contábeis, falhas jurídicas, ambientais, fiscais ou trabalhistas que possam comprometer a viabilidade da operação ou gerar prejuízos futuros.


1. Conceito e finalidade da due diligence jurídica


   A diligência adequada é um procedimento investigativo realizado por profissionais do Direito com o objetivo de identificar, analisar e mensurar passivos, contingências e riscos jurídicos associados à empresa a ser adquirida, fundida ou sucedida.

É importante destacar que a due diligence é um processo técnico e multidisciplinar, conduzido por advogados, contadores, auditores e outros profissionais especializados, destinado a examinar aspectos jurídicos, contábeis, fiscais, societários, trabalhistas, regulatórios, ambientais e operacionais da empresa. Essa análise negocial varia conforme a natureza e o objetivo da operação, o setor econômico em que a empresa atua e os interesses do adquirente ou investidor.

   Esse exame abrange diversas áreas do Direito, como o direito societário, contratual, tributário, trabalhista, ambiental, regulatório e cível. O levantamento minucioso permite avaliar a regularidade da empresa e a existência de passivos ocultos que possam impactar negativamente a operação ou comprometer o investimento.

  Além disso, a diligência prévia possibilita a validação de ativos, contratos, direitos de propriedade intelectual e garantias, o que confere segurança jurídica à operação e favorece a negociação de cláusulas de responsabilidade, ajuste de preço e condições suspensivas. Essa visão realista permite que o investidor ou adquirente adote estratégias adequadas, mediante, baseadas em decisões informadas e seguras.


2. A eficácia na prevenção de riscos em fusões, aquisições e sucessões


  A eficácia da diligência devida consiste na capacidade de antecipar problemas, precificar riscos e formular estratégias para atribuição de responsabilidades no contrato de aquisição do ativo de determinada empresa. Para isso, é necessário identificar e avaliar pendências fiscais, litígios judiciais, cláusulas desfavoráveis, bem como passivos trabalhistas e ambientais que possam resultar em prejuízos futuros. 

  Nas operações de fusão, incorporação ou aquisição de empresas (M&A), bem como nas sucessões empresariais — como ocorre em reorganizações societárias ou transmissões de controle —, a due diligence jurídica se apresenta como ferramenta de mitigação de riscos e de valorização do investimento.

  A ausência dessa análise pode resultar na responsabilização por passivos ocultos, dívidas tributárias ou trabalhistas, contratos inválidos ou disputas judiciais que poderiam ter sido evitadas. O Código Civil, em art. 1.146, dispõe:

  O adquirente de estabelecimento responde pelos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado por um ano.

  Essa norma reforça a necessidade de verificação prévia da regularidade contábil e jurídica da empresa-alvo, para evitar surpresas após a conclusão do negócio. Embora a diligência adotada não elimine integralmente os riscos inerentes a uma operação empresarial, ela permite conhecer, dimensionar e tratar, sob as perspectivas jurídica e econômica, a possibilidade de prejuízo futuro.


3. Etapas e implicações contratuais da Due Diligence Jurídica


  No ordenamento jurídico brasileiro, não há previsão legal específica da denominada diligência adequada (due diligence). Contudo, esse procedimento é reconhecido na prática contratual nos princípios inerentes ao dever de informação, à função social do contrato e à boa-fé objetiva, conforme estabelecem os artigos 113, 421 e 422, todos do Código Civil.

Diante disso, é necessário traçar uma estratégia padronizada para aferição de situações jurídicas relevantes, com a adoção de ferramentas tecnológicas que ampliem a abrangência e aumentem a segurança do procedimento. Esse cuidado permite revisar o preço da negociação e pactuar cláusulas de indenização por omissão ou erro de informação.

   A Due Diligence jurídica segue metodologia estruturada e via de regra, pode ser dividida em cinco etapas:

  1. Planejamento e objetivo: delimitação das áreas jurídicas a serem analisadas, de acordo com o objeto da operação e o perfil da empresa.

  2. Levantamento documental: solicitação de contratos, registros societários, processos judiciais, certidões, declarações fiscais e demais documentos relevantes à operação.

  3. Análise jurídica: exame dos riscos envolvidos na transação, com verificação da conformidade legal e a identificação de contingências - ou seja, gargalos negociais que possam implicar em prejuízos ao adquirente ou sucessor.

  4. Relatório final: elaboração de parecer com apontamento de riscos, estimativas de impacto, recomendações e medidas corretivas. Esse relatório deve conter diretrizes para a gestão de riscos, visando mitigar o impacto de situações imprevistas ou incertas, ainda que prováveis de ocorrerem.

  5. Negociação e estruturação contratual: utilização das informações apuradas para negociar cláusulas de responsabilidade, preço, garantias, condições precedentes e ajustes pós-fechamento. Nessa fase devem ser estabelecidas travas de segurança negocial, que minimizem perdas e potencializem os ganhos da transação.

  Essas etapas de análise jurídica são indispensáveis, tanto na alienação integral ou parcialmente dos ativos, quanto na transmissão de controle ou sucessão da administração da sociedade, inclusive no contexto de herdeiros. Exigem, portanto, expertise jurídica especializada para o exame das inconsistências detectadas, bem como para regulação contratual que viabilize eventual ressarcimento por omissão de informações relevantes à parte adquirente. 


4. Solução Mais Favorável sob o Ponto de Vista Comercial e Tributário


   A realização da due diligence jurídica permite, além da mitigação de riscos, o planejamento de uma estrutura societária e tributária mais eficaz para a operação comercial e financeira que passará a ser gerida. A depender da análise dos ativos e passivos, a operação pode ser estruturada de formas distintas, como aquisição seletiva de ativos, reorganização societária ou constituição de sociedade com propósito específico (SPE), dentre outras possibilidades jurídicas.

   O primeiro ponto a ser abordado é a compra de ativos isolados, evitando com isso que a empresa adquirente responda por passivos ocultos de sociedade vendedora, os quais seriam absorvidos em uma aquisição integral.

Outra estratégia consiste na constituição de sociedade de propósito específico (SPE) - também denominada de empresa veículo -, ou seja, uma pessoa jurídica criada com o fim específico de limitar os riscos da operação. Essa estrutura facilita o planejamento fiscal e protege o investimento feito.

    Também é possível a reorganização societária prévia, por meio de cisão, incorporação, transformação, ou sucessão societária. Tais mecanismos possibilitam a reestruturação interna da empresa, seja pela mudança de quadro societário, seja pela alteração do regime tributário, com a finalidade de reduzir custos, ampliar a eficiência das atividades e fomentar o crescimento sustentável.

  Além dessas estratégias, é recomendável a instituição de cláusulas de earn-out e holdback, por meio das quais parte do pagamento do preço fica condicionada à performance futura da empresa adquirida, reduzindo-se, assim, a exposição a riscos contingentes mediante expressa disposição contratual. 

  Na cláusula earn-out, parcela do preço de aquisição fica sujeita a condição suspensiva, vinculada ao atingimento de metas de desempenho após a concretização da operação. Já na cláusula holdback, há a retenção de parte do preço pago pelo comprador, como garantia do cumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo vendedor, especialmente quanto a passivos não identificados durante a negociação

  Do ponto de vista tributário, a operação pode se beneficiar de estruturas como a incorporação ou fusão entre empresas do mesmo grupo econômico, com o aproveitamento de créditos fiscais e a manutenção de benefícios tributários, conforme autorizado pelo art. 111 do CTN.

Na mesma linha, é possível realizar o planejamento do ganho de capital nas aquisições de participações societárias, com uso de holdings, o que permite a adoção de regimes mais vantajosos, como o lucro presumido, previsto nos arts. 13 a 15 da Lei nº 9.249/1995.

  Destaca-se, ainda, a importância da cláusula de indenização fiscal, mediante a qual o vendedor se compromete a indenizar o comprador de ativos da sociedade por autuações relativas a fatos geradores ocorridos antes da data da transação, compensando com isso o prejuízo ocasionado.

  Essa estruturação prévia, pautada na due diligence, confere maior previsibilidade econômica e segurança jurídica à operação, além de reduzir os riscos decorrentes da transação empresarial.

Nesse sentido merece destaque o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Min. Ricardo Villas Boas Cueva, cuja ementa se transcreve a seguir:

CIVIL E EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL. FRANQUIA. BOA-FÉ OBJETIVA. ART. 422 DO CC/02. DEVERES ANEXOS. LEALDADE. INFORMAÇÃO. DESCUMPRIMENTO. FASE PRÉ-CONTRATUAL. EXPECTATIVA LEGÍTIMA. PROTEÇÃO. PADRÕES DE COMPORTAMENTO (STANDARDS). DEVER DE DILIGÊNCIA (DUE DILIGENCE). HARMONIA. INADIMPLEMENTO. CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO.1. Cuida-se de ação de resolução de contrato de franquia cumulada com indenização de danos materiais, na qual se alega que houve descumprimento do dever de informação na fase pré-contratual, com a omissão das circunstâncias que permitiriam ao franqueado a tomada de decisão na assinatura do contrato, como o fracasso de franqueado anterior na mesma macrorregião. 2. Recurso especial interposto em: 23/10/2019; conclusos ao gabinete em: 29/10/2020; aplicação do CPC/15. 3. O propósito recursal consiste em definir se a conduta da franqueadora na fase pré-contratual, deixando de prestar informações que auxiliariam na tomada de decisão pela franqueada, pode ensejar a resolução do contrato de franquia por inadimplemento 4. Segundo a boa-fé objetiva, prevista de forma expressa no art. 422 do CC/02, as partes devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e de lealdade, de modo a permitir a concretização das legítimas expectativas que justificaram a celebração do pacto. 5. Os deveres anexos, decorrentes da função integrativa da boa-fé objetiva, resguardam as expectativas legítimas de ambas as partes na relação contratual, por intermédio do cumprimento de um dever genérico de lealdade, que se manifesta especificamente, entre outros, no dever de informação, que impõe que o contratante seja alertado sobre fatos que a sua diligência ordinária não alcançaria isoladamente. 9. O princípio da boa-fé objetiva já incide desde a fase de formação do vínculo obrigacional, antes mesmo de ser celebrado o negócio jurídico pretendido pelas partes. Precedentes.10. Ainda que caiba aos contratantes verificar detidamente os aspectos essenciais do negócio jurídico (due diligence), notadamente nos contratos empresariais, esse exame é pautado pelas informações prestadas pela contraparte contratual, que devem ser oferecidas com a lisura esperada pelos padrões (standards) da boa-fé objetiva, em atitude cooperativa.11. O incumprimento do contrato distingue-se da anulabilidade do vício do consentimento em virtude de ter por pressuposto a formação válida da vontade, de forma que a irregularidade de comportamento somente é revelada de forma superveniente; enquanto na anulação a irregularidade é congênita à formação do contrato.12. Na resolução do contrato por inadimplemento, em decorrência da inobservância do dever anexo de informação, não se trata de anular o negócio jurídico, mas sim de assegurar a vigência da boa-fé objetiva e da comutatividade (equivalência) e sinalagmaticidade (correspondência) próprias da função social do contrato entabulado entre as partes.12. Na hipótese dos autos, a moldura fática delimitada pelo acórdão recorrido consignou que: a) ainda na fase pré-contratual, a franqueadora criou na franqueada a expectativa de que o retorno da capital investido se daria em torno de 36 meses; b) apesar de transmitir as informações de forma clara e legal, o fez com qualidade e amplitude insuficientes para que pudessem subsidiar a correta tomada de decisão e as expectativas corretas de retornos; e c) a probabilidade de que a franqueada recupere o seu capital investido, além do caixa já perdido na operação até o final do contrato, é mínima, ou quase desprezível.11. Recurso especial provido.(STJ - REsp n. 1.862.508/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2020, DJe de 18/12/2020.)


II. Considerações Finais


   A diligência prévia é um instrumento técnico-jurídico indispensável à realização de negócios empresariais com grau aceitável de segurança. Ela permite avaliar riscos, validar ativos, estruturar contratos equilibrados, assegurando a continuidade das operações.

   Sob a perspectiva comercial, a due diligence permite negociações mais vantajosas e proteção patrimonial de forma transparente e previsível. No aspceto tributário, contribui para o aproveitamento de regimes fiscais favoráveis e para a prevenção de autuações futuras.  

A diligência prévia tem por finalidade revelar passivos ocultos e inconsistências jurídicas e contábeis, permitindo ao investidor ou adquirente avaliar os riscos envolvidos e estabelecer salvaguardas contratuais, em consonância com  os princípios da boa-fé objetiva, da segurança jurídica e da função social do contrato.

   Recomenda-se que as empresas realizem due diligence não apenas em grandes operações, mas também em sucessões familiares e reorganizações internas, como forma de preservar o valor e a integridade do negócio. É necessário que o profissional do Direito esteja capacitado a interpretar os resultados da avaliação realizada, a fim de apresentar soluções contratuais eficazes ao seu cliente.


O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas à esta notícia e a qualquer assunto relacionado à área.


Jorge do Canto

Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Empresarial.



 
 
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