A nova arquitetura dada pela Reforma Tributária sobre o consumo no Brasil com a criação de impostos sobre valor agregado
- cantoeidelveinadvo
- 1 de set.
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I - Introdução
A Constituição Federal de 1988 instituiu um sistema tributário amplo e descentralizado, distribuindo competências entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Ao longo das décadas, esse modelo revelou-se excessivamente complexo, marcado pela sobreposição de tributos, multiplicidade de normas e elevado custo de conformidade fiscal.
Em resposta a essa realidade, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 132/2023, que promoveu significativa alteração no regime de tributação sobre o consumo. A principal mudança consistiu na substituição de cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) por dois impostos de valor agregado: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual, distrital e municipal.
O presente artigo tem como objetivo examinar a principal vantagem da reforma, qual seja, a desburocratização da cobrança de impostos, destacando seus fundamentos jurídicos e repercussões econômicas.
1. O Novo Paradigma Tributário: Imposto sobre Valor Agregado (IVA)
A Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, que promoveu uma reestruturação profunda da tributação indireta. Antes da reforma, a tributação sobre o consumo era fragmentada em diferentes tributos. O PIS e a COFINS incidiam sobre o faturamento, com regimes cumulativos e não cumulativos. O IPI recaía sobre a produção industrial, com características próprias de apuração. Nos âmbitos estaduais e municipais, o ICMS e o ISS eram cobrados de forma autônoma, com legislações distintas e regras complexas.
Essa pluralidade de normas gerava burocracia excessiva, elevados custos de conformidade e insegurança jurídica. O ambiente tributário brasileiro tornou-se um dos mais litigiosos do mundo, com grande volume de discussões judiciais sobre interpretação e aplicação da legislação fiscal.
2. A unificação em dois impostos de valor agregado
A Emenda Constitucional nº 132/2023 instituiu dois tributos de valor agregado (IVA) dual, que coexistem em duas vertentes:
CBS Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): De competência exclusiva da União, este tributo de natureza social (art. 195, § 12, da Constituição Federal) unifica a PIS e a Cofins, buscando simplificar a apuração e reduzir a cumulatividade;
Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): De competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 156-A da Constituição Federal), este imposto de natureza estadual e municipal unifica o ICMS e o ISS, eliminando as assimetrias e conflitos gerados pelas múltiplas legislações locais.
Ambos os tributos operam sob o regime de não cumulatividade plena, um dos pilares do modelo de IVA. A não cumulatividade assegura que o contribuinte possa se creditar integralmente do imposto pago nas etapas anteriores da cadeia produtiva, incidindo o tributo apenas sobre o valor adicionado em cada fase.
Esse mecanismo tributário, previsto no artigo 156-A, inciso II, e em dispositivos relacionados na Emenda, elimina o "efeito cascata" e garante maior neutralidade econômica e transparência na arrecadação.
3. A principal vantagem: desburocratização da cobrança de impostos
A principal vantagem da reforma é a desburocratização da cobrança de impostos, que se materializa em três aspectos:
Simplificação normativa – A substituição de cinco tributos por dois reduz a fragmentação e uniformiza regras, diminuindo obrigações acessórias.
Padronização do modelo de apuração – O IVA proporciona um regime uniforme, aplicável a diversos setores, evitando tratamentos diferenciados que antes dificultavam a gestão tributária.
Redução da litigiosidade – Regras claras e unificadas diminuem conflitos interpretativos e fortalecem a segurança jurídica.
Essa simplificação ocorrida com a reforma tributária se alinha a uma série de princípios constitucionais, conferindo-lhe legitimidade e coerência com o ordenamento jurídico:
Princípio da Eficiência Administrativa: A substituição de cinco tributos por apenas dois reduz drasticamente o número de obrigações acessórias, declarações e procedimentos fiscais. Isso simplifica a gestão tributária tanto para o Fisco quanto para o contribuinte, conforme preconiza o artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Princípio da Isonomia Tributária: A unificação dos tributos e a padronização das alíquotas por meio de uma legislação complementar, conforme previsto na Emenda, eliminam tratamentos diferenciados e regimes especiais que antes beneficiavam ou penalizavam determinados setores. A uniformidade tributária, em consonância com o artigo 150, inciso II, fortalece a equidade entre os agentes econômicos.
Princípio do Destino: A reforma estabelece, de forma explícita, que a arrecadação dos novos tributos se dará no destino, ou seja, onde o bem ou serviço é consumido. Esse critério, previsto no artigo 156-A, § 2º, resolve o problema da "guerra fiscal" entre estados, que era gerado pela tributação na origem. A mudança garante que os recursos tributários sejam direcionados para o local de consumo, promovendo um sistema mais justo e equitativo.
4. Os reflexos jurídicos-econômicos e os desafios do período de transição
A desburocratização tributária produz impactos jurídicos e econômicos relevantes. Do ponto de vista jurídico, fortalece-se a segurança jurídica e reduz-se a litigiosidade. Do ponto de vista econômico, a simplificação tributária diminui o chamado “custo Brasil”, aumenta a competitividade empresarial e atrai investimentos.
Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam que a reforma tributária pode gerar crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em razão da maior eficiência no sistema fiscal. Além disso, o alinhamento do Brasil ao modelo de IVA adotado em diversos países contribui para a inserção competitiva no comércio internacional.
A implementação da nova arquitetura tributária ocorrerá de forma gradual, por meio de um complexo período de transição que se estende por vários anos. A Emenda Constitucional prevê uma fase de teste, com alíquotas de referência, e uma transição total que culminará na extinção do IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS, conforme detalhado no artigo 13 da Emenda Constitucional nº 132/2023.
Este período de transição, embora necessário para a adaptação de empresas e governos, apresenta desafios operacionais e regulatórios que exigirão a edição de leis complementares e a coordenação entre os entes federativos. A clareza e a previsibilidade durante essa fase são cruciais para a consolidação da segurança jurídica e para evitar novas discussões judiciais.
II - Conclusão
A reforma tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023 representa um novo marco na evolução do sistema tributário nacional. A substituição de cinco tributos (IPI, PIS, COFIN, ICMS e ISS) sobre o consumo por dois impostos de valor agregado (IBS e CBS) simplifica o modelo, reduz a burocracia e fortalece a segurança jurídica.
A principal vantagem da reforma reside, portanto, na criação do modelo de Imposto de Valor Agregado dual, que acarreta a desburocratização da cobrança de impostos, favorece o ambiente de negócios, além de promover maior equidade entre os contribuintes e atender aos princípios constitucionais da eficácia administrativa, da isonomia tributária e do destino.
Assim, ao alinhar o Brasil a modelos internacionais de tributação sobre o consumo, a reforma projeta ganhos de eficiência, competitividade e crescimento econômico, com o consequente aumento do PIB e melhor distribuição de renda.
Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o sistema tributário nacional e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 dez. 2023.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Impactos da Reforma Tributária no Crescimento Econômico Brasileiro. Brasília: IPEA, 2024, acesso em 28-08-25. https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/15016-impactos-da-reforma-tributaria-e-da-politica-nacional-de-mobilidade-urbana-sao-analisados-em-seminario.



