Disrupção entre o pensamento jurídico e a realidade quanto à arbitragem no país
- cantoeidelveinadvo
- 22 de jan. de 2024
- 5 min de leitura
A análise feita visa apresentar a perspectiva dos departamentos jurídicos das empresas no país quanto a arbitragem e a utilização desta ou do Poder Judiciário para resolução de conflitos e controvérsias. A pesquisa foi conduzida pela Consultor Jurídico, com consultoria do IPESPE e da FGV[1], conforme os anuários da Justiça de 2023.
O presente estudo fica circunscrito a três dos parâmetros identificados na pesquisa precitada, na qual foram ouvidos 155 executivos jurídicos dentre as 1.000 maiores empresas do país, estabelecendo os critérios que melhor atenderiam à resolução de conflitos e controvérsias, levando em conta o público interno e externo[2].
O primeiro deles é quanto ao fato de constar expressamente nos contratos entabulados cláusula relativa à arbitragem para resolução das questões constantes naqueles pactos. Os dados demonstram a falta de confiança na arbitragem e a baixa expectativa de resultados positivos desta forma de resolução de conflitos e controvérsias.
A ideia de constar expressamente a arbitragem como forma de resolução de conflitos e controvérsia prioritária de determinado contrato tem a adesão de 3,9% dos entrevistados. Por outro lado, 7,7% nunca considerariam utilizar a arbitragem. Seguindo essa mesma linha de pensamento, cerca de 43,9% dos entrevistados pretendiam usá-la em casos menos frequentes. Além disso, 21,9% considerariam sua utilização somente se exigida pelo contratante[3].
Com base no resultado dos índices percentuais mencionados, levando em conta os executivos jurídicos das principais empresas do país, em relação à priorização da arbitragem como método de resolução de conflitos, observa-se que de 73,5% do total dos entrevistados que não demonstram grande interesse neste tipo de procedimento. Para confirmar a insatisfação com a arbitragem, temos o segundo parâmetro de avaliação relacionado ao custo dessa prática, ou seja, em que medida os envolvidos estão dispostos a pagar por esta forma de solução de conflitos e controvérsias. Os resultados são desanimadores quanto à resposta a essa questão. Entre os executivos que participaram da pesquisa, 18,7% dos entrevistados mostraram-se muito insatisfeitos, 34,2% insatisfeitos e 10,3%[1] indiferentes, enquanto apenas 0,6% ficaram muito satisfeitos com o resultado desse sistema.
A soma destes dados revela que essa forma de resolução de conflito não é vista positivamente, refletindo um resultado similar ao primeiro ponto examinado. Isso indica que 63,2% dos entrevistados demonstram pouco interesse em utilizar a arbitragem. Note-se que este patamar atingiria quase o mesmo resultado do primeiro questionamento, caso fosse acrescido o percentual de 12,3% dos que preferiram não responder. Portanto, a insatisfação com esse método de solução de conflitos afeta quase três quartos das lideranças entrevistadas, levantando preocupações sobre a adoção dessa abordagem.
O último ponto a ser examinada refere-se a efetiva adoção dessa forma alternativa de solução de conflitos pelas empresas. O total daqueles que afirmaram que nunca utilizariam esse sistema corresponde a 7,7%, enquanto os que o utilizariam pouco somam 63,9%[2]. Isso resulta em um patamar de 71,6% dos entrevistados. Uma vez mais, chegamos a índice semelhante aos dois pontos anteriores analisados, evidenciando o desinteresse na adoção dessa modalidade de resolução de conflitos e controvérsias por meio da inclusão de cláusulas arbitrais nos contratos, o que é significativo.
Creio que a análise destes dados deve levar em conta outros três fatores: em primeiro lugar, a frequência com que esse sistema é utilizado; em segundo, a cultura arraigada que favorece a intervenção pública na regulação de atividade privada; e, por último, a confiança na imparcialidade do processo de resolução de conflitos pelo Estado, garantindo acesso irrestrito ao Judiciário, além da expectativa de que as decisões desse Poder sejam coercitivamente cumpridas pelos devedores das obrigações em questão.
O primeiro ponto aborda o fato de que os profissionais que atuam na área do direito, por princípio, são conservadores, pois regulam o presente com base no passado, seja devido a existência de leis precedentes ou mesmo a jurisprudência majoritária das Cortes Superiores no momento do conflito.
Desta forma, a arbitragem representa uma quebra de paradigma ao confiar a solução da controvérsia a um terceiro que não possui interesse na causa, mas sim o objetivo de solucioná-la, levando em conta a vontade das partes para composição privada do conflito de interesses.
Ressalte-se que a arbitragem representa um retorno ao antigo processo romano, no qual o árbitro (Edis) era cidadão romano de bom conceito e imagem, mas sem conhecimento jurídico à época. Ao passo que, a instrução na primeira fase deste procedimento era conduzida por servidor do Estado, o Praetor romano, mas era o jurisconsulto que decidia a causa, caso não houvesse autocomposição da lide.
Portanto, o hábito vem com o uso no decorrer do tempo. Ou seja, o valor das soluções oferecidas, seja no âmbito privado pela arbitragem ou na esfera pública pelo Judiciário, pode ser equivalente, mas a resolução na primeira hipótese, em tese, será dada em menos tempo, o que sugere que a regra dos negócios “time is money” deverá prevalecer. Assim, é necessário confiar e acreditar que a utilização da arbitragem avançará ao longo do tempo.
O segundo ponto, advém da nossa história jurídica na qual as decisões do Estado-Juiz, de regra, consideram o interesse de todos os envolvidos, de acordo com a legislação e jurisprudência atuais. pois o julgamento é feito por especialistas que atuam exclusivamente na seara jurisdicional. Assim, nada melhor de que um confiável servidor público para dizer o direito que não lhe pertence em um conflito privado.
É importante destacar o mito de que o Poder Público tem o conhecimento especializado na resolução de conflitos de interesses e a solução considerará a situação de fato específica, sem modelos pré-definidos, atendendo a particularidade de cada demanda. Talvez isso derive do imaginário de que a solução de casos difíceis é privilégio do Estado. Novamente, isso reflete um pré-conceito, ou seja, a ideia de que a controvérsia entre duas partes só pode ser solucionada pela força coercitiva do Poder Público, sem levar em conta o tempo de execução de um julgado na atualidade.
Por fim, não menos importante, surge a ideia de imparcialidade por parte do Magistrado que decidirá a causa. Nesse ponto, não se considera que o Juiz, sendo humano, está sujeito a seus humores e perspectiva de vida. Não é à toa que existe o provérbio português: “cada cabeça, sua sentença”.
A expressão precitada sugere que as pessoas têm bagagens únicas e vivências distintas, o que resulta em interpretações diversas da lei sobre um mesmo fato, dependendo da perspectiva do julgador.
Por conseguinte, não existe isenção social ou critério único de maior valor, para dizer o mínimo. No entanto, questões tão especializadas como as do direito empresarial, em que uma pequena variação pode determinar a quebra de uma empresa, seriam mais bem examinadas por especialista nesse campo de conhecimento, mesmo em contextos privados, para resolver questões de natureza também privada.
Dessa maneira, os defensores de maior intervenção do Estado advogam que a resolução de questões privadas, especialmente as relacionadas ao direito empresarial, seja atribuída ao Magistrado designado para esse propósito, o que reflete uma concepção mais conservadora.
Por outro lado, os que defendem a ideia de que disputas privadas devem ser resolvidas por um terceiro sem interesse na causa, como o Árbitro, cuja expertise decorre exatamente da atuação no âmbito privado, partem de uma ideia mais liberal para solucionar o referido conflito de interesses.
O escritório Canto & Eidelvein Advogados está à disposição para esclarecer dúvidas relacionadas à esta notícia e a qualquer assunto relacionado à área.
Jorge do Canto
Advogado e sócio do escritório Canto & Eidelvein Advogados, especialista em Direito Empresarial.
[1] Pesquisa Conjur, com base no anuário da Justiça de 2023, https://www.conjur.com.br/2023-out-02/pesquisa-anuario-justica-revela-pensa-juridico-empresas2/ .
[2] Idem.
[3] Bis in idem. [4] Bis in idem.
[5] Idem.